Nem toda Trombocitopenia é Hemoparasitose
A trombocitopenia tem se tornado um achado comum nos hemogramas veterinários, principalmente de cães. E sem dúvida, a hemoparasitose é a principal causa infecciosa nos dias de hoje. Porém, não é a única. Existem inúmeros fatores que podem provocar a diminuição da contagem plaquetária, e que não são incomuns na rotina clínica. No texto abaixo vamos abordar as principais causas de trombocitopenia.
As plaquetas são células fundamentais para hemostasia, responsáveis pela interrupção inicial temporária do fluxo de sangue após lesão no leito microvascular. Elas respondem à lesão vascular por uma série de reações que envolvem adesão de plaquetas à parede vascular, agregação plaquetária e liberação de plaquetas. São produzidas na medula óssea a partir dos megacariócitos. Quem regula esse desenvolvimento é a trombopoietina. A síntese da trombopoietina ocorre principalmente no endotélio vascular, fígado e rins. No cão, dois terços a três quartos das plaquetas estão na circulação sistêmica. O restante está armazenado no compartimento esplênico. Possuem uma meia-vida intravascular variável de 3 a 7 dias no cão e no gato.
A contagem plaquetária, também chamado de “plaquetometria”, é um exame que mostra, de maneira parcial, a capacidade de coagulação do sangue. É um dado importante em um pré-operatório, pois o animal passará por incisões durante a cirurgia e precisará ter capacidade de coagulação perfeita. Associado com os resultados do hemograma pode mostrar se a medula óssea está produzindo glóbulos sanguíneos em quantidade, morfologias e funções normais. Para avaliar a coagulação de maneira mais completa, serão necessários pelo menos mais dois exames laboratoriais (Tempo de Protrombina (TP) e Tempo de Tromboplastina Parcial Ativada (TTPA)).
As causas mais freqüentes de trombocitopenia estão relacionadas à diminuição da produção pela medula óssea e/ou aumento da destruição ou consumo plaquetário. Entretanto, sempre se deve averiguar a presença de coágulos na amostra sanguínea, o que pode resultar numa diminuição acentuada no número de plaquetas.
Existem cinco mecanismos principais relacionados com a ocorrência de trombocitopenia:
-Produção diminuída ;
-Consumo ou destruição aumentados;
-Defeitos na função plaquetária;
-Perda excessiva;
-Distribuição anormal de plaquetas
Descreveremos a seguir as principais causas dentro da cada um destes mecanismos.
PRODUÇÃO DIMINUÍDA PELA MEDULA ÓSSEA
- Toxicidade de drogas e substâncias químicas
-Estrógenos : tanto o administrado (natural ou sintético), como o endógeno (ex: tumores das células de Sertoli ) Ü ambos com efeito tardio ( a longo prazo ).
-Cloranfenicol
-Ribavirina – medicamento antiviral (gatos)
-Levamisol
-Dapsona
-Fenilbutazona
-Aspirina
-Paracetamol
-Barbitúricos (Ex. fenobarbital)
-Clorpromazina e promazina
-Penicilina
-Aminoglicosídeos (Estreptomicina, Neomicina , Gentamicina)
-Diuréticos tiazídicos
-Sulfas
-Tetraciclina
-Acetazolamida
-Furosemida
-Propiltiouracila
-Metimazol (e carbimazol)
-Compostos áureos (ouro)
-Antineoplásicos (exceto Vincristina)
Estrógenos, fenilbutazona e diuréticos tiazídicos estão frequentemente envolvidos. Medicamentos capazes de suprimir a medula óssea usualmente resultam em diminuição do número de leucócitos antes de causar trombocitopenia (a meia vida plaquetária é mais longa que dos leucócitos).
- Efeito de outras toxinas sobre a medula óssea
-Uremia : diminuição da síntese plaquetária
-Toxinas bacterianas
-Micotoxinas
- Infecção
Uma diminuição da síntese plaquetária pode ser decorrente da infecção por FeLV e erliquiose canina crônica.
Pode ocorrer em associação a outras infecções virais, bacterianas e por protozoários, embora se acredite que, nestas condições, a causa da trombocitopenia seja primariamente o aumento da destruição plaquetária.
- Substituição (reposição) das células-tronco na medula óssea
A reposição por células não-funcionais ocorre em:
-Distúrbios linfoproliferativos e na maioria dos mieloproliferativos
-Outras doenças mieloptísicas, por exemplo, infiltração metastática de tumores na medula óssea, mielofibrose e osteopetrose.
- Deficiência de ferro (hipoferremia) severa
- Deficiência na produção de Trombopoietina (raro)
- Trombocitopenia Reacional
Pode ser secundária à trombocitose em decorrência da transfusão de sangue contendo grande número de plaquetas.
AUMENTO DA DESTRUIÇÃO OU DO CONSUMO PLAQUETÁRIO
- Infecção
Muitas infecções virais, bacterianas ou causadas por protozoários são associadas com a ocorrência de trombocitopenia em virtude de muitos fatores: dano direto às plaquetas, coagulação intravascular disseminada (CID), ligação das plaquetas ao endotélio vascular e destruição plaquetária imunomediada. Alguns exemplos:
-Peritonite infecciosa felina (PIF)
-Enterite infecciosa felina (Panleucopenia felina)
-Parvovirose canina
-Hepatite infecciosa canina
-Herpes canina (infecção neonatal)
-Leptospirose
-Febre maculosa
-Erliquiose
-Babesiose
-Hemobartonelose
-Salmonelose
-Histoplasmose
-Candidíase disseminada
-Bacteremia
- Coagulação Intravascular Disseminada (CID)
Esta complexa alteração hematológica é caracterizada por coagulação intravascular, hemólise e hemorragias múltiplas. Há consumo exacerbado de plaquetas e fatores de coagulação, e desenvolvimento de distúrbios hemorrágicos. Entre as principais causas desencadeantes da CID em cães estão:
-Neoplasias malignas (especialmente carcinomas, hemangiossarcomas e linfossarcomas)
-Pancreatite aguda
-Hepatopatia ativa crônica
-Intermação (hipertermia decorrente de calor ambiental excessivo)
-Septicemia
-Organismos infecciosos (citados anteriormente)
-Hemólise intravascular grave
-Trauma maciço
-Tromboembolismo aórtico em gatos
Ainda podem ser relatadas vasculite, acidose, endocardite e uma variedade de complicações obstétricas.
- Doenças Imunomediadas
A trombocitopenia é um achado freqüente na trombocitopenia imunomediada (TIM), anemia hemolítica imunomediada e no lúpus eritematoso sistêmico.
- Defeitos Funcionais das Plaquetas
Contribuem para o aumento na velocidade de destruição das plaquetas. Podem ser hereditários ou adquiridos (azotemia, hepatopatias severas, distúrbios mieloproliferativos e linfoproliferativos, mieloma, macroglobulinemia, doenças autoimunes e determinados fármacos).
- Anafilaxia
PERDA EXCESSIVA DE PLAQUETAS
- Hemorragia externa maciça
Pode resultar em perda maciça de plaquetas
DISTRIBUIÇÃO ANORMAL DE PLAQUETAS
- Esplenomegalia
Em condições em que há grande aumento no tamanho do baço, mais plaquetas podem ser retidas em seu parênquima, resultando em trombocitopenia.
Além das causas patológicas já citadas, a trombocitopenia também pode ser causada por:
ERRO DE TÉCNICA
- Grumos de plaquetas
Podem resultar numa falsa trombocitopenia, pois serão contados pelo aparelho como se fossem uma única plaqueta. Dificuldade na coleta do material (venopunção), pois o sangue pode ser contaminado pela tromboplastina, iniciando o processo de coagulação. Várias punções no mesmo local (mesmo vaso) também podem diminuir a quantidade de plaquetas naquela amostra (plaquetas migram para os locais que já foram lesionados pela agulha).
- Amostra Coagulada
As plaquetas ficam no coágulo, enquanto que a parte líquida da amostra sanguínea coagulada pode conter um número muito baixo de plaquetas.
Enfim, a interpretação clínica de uma trombocitopenia deve ser feita associando todos os resultados de exames laboratoriais do animal, e principalmente em conjunto com o quadro clínico do mesmo, tentando confirmar sua causa primária.
Referências Bibliográficas
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- BUSH, B. M.,- Interpretação de Resultados Laboratoriais Para Clínicos de Pequenos Animais, Roca, 2004.
- ROCCO, L. C. M. Guia Para Coleta e Interpretação de Exames Laboratoriais em Cães e Gatos, Interbook, 2009.
- ETTINGER, S.J.; FELDMAN, E.C. Tratado de Medicina Interna Veterinária – Doenças do Cão e do Gato, 5 ed., V.2, Editora Guanabara Koogan, 2004.
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